Neutralidade | CGI.br

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Uma abordagem técnica sobre a eficácia do dispositivo jurídico

Autor: Bruno Marciano de Amorim Josino Setor: Contribuição Pessoal Estado: PERNAMBUCO Tópico: Neutralidade de Rede

1. INTRODUÇÃO

Desde a sua criação, nos Estados Unidos, na década de 1950, até o final dos anos de 1980, a Internet, em seu formato original, esteve restrita as áreas militar e acadêmica, principalmente aquela, onde o objetivo estava voltado exclusivamente para o ambiente de segurança.

Pesquisas foram realizadas para melhorar os protocolos de rede de dados, principalmente em relação a endereçamento e transporte, tendo como foco a troca e difusão de informação, às vezes com interesse militar outras com interesse científico. O fato principal é que o cidadão comum não tinha acesso a essa facilidade tecnológica, informação automática em rede.

A partir do início da década de 1990, com a criação e desenvolvimento de protocolos mais amigáveis, por exemplo: o HTTP - Hypertext Transfer Protocol, Protocolo de Transferência de Hipertexto, e sua interface gráfica por meio dos servidores www – Word Wide Web, ou SMTP - Simple Mail Transfer Protocol, Protocolo de transferência de correio simples para envio de mensagens, a Internet atingiu um patamar global, entrando nas casas dos cidadãos comuns, tendo como infraestrutura básica as linhas telefônicas e os computadores pessoais.

Desde esse marco, a Rede Mundial vem crescendo em escala exponencial, atingindo os mais remotos cantos do planeta em frações de segundos, socializando informações e, contribuindo para o desenvolvimento da humanidade.

Na esteira desta evolução problemas surgiram, sobretudo na esfera legal e comercial, onde os grandes provedores de Internet e os Governos Nacionais tentam regular e controlar o acesso e o conteúdo da Rede Mundial de Computadores.

Este presente trabalho abordará o tema sobre a tentativa de regulação nos meios de acesso a Internet, levando em consideração as tecnologias oferecidas atualmente pelos provedores da grande rede, os dispositivos jurídicos existentes no Brasil e no Chile, primeiro país a regulamentar o assunto na América Latina, e as técnicas utilizadas pelos fornecedores de equipamentos de rede para controle de tráfego de pacotes de dados nas redes de comunicação à distância.


2. NEUTRALIDADE NA REDE

2.1 CONEXÃO E CONTEÚDO

A Internet, composta por uma rede de computadores em escala mundial, pode ser vista a partir de duas áreas que se complementam: conexão e conteúdo.

A primeira, formada por meios de transmissão, com ou sem fio, disponibilizados aos usuários comuns através, em regra, da Rede de Telefonia. Protocolos das camadas 1 (um) e 2 (dois) do modelo de referência OSI - Open Systems Interconnection, Interconexão de Sistemas Abertos, da ISO - International Organization for Standardization, Organização Internacional para a Padronização, são estruturados e padronizados para oferecer o acesso a Internet de forma transparente para o usuário, bastando apenas, em algumas configurações, ligar um computador ou um telefone móvel para se fazer a conexão.

No segundo caso tem-se, após estabelecida a conexão, todo o conteúdo existente nos servidores de informação da grande rede, disponível para pesquisa, lazer, trabalho, de forma livre.

Para realizar uma conexão a Rede e, acessar o seu conteúdo, é necessário, no caso de conexão privada, ter um provedor que disponibilize um IP - Internet Protocol, Protocolo de Internet, endereço lógico do computador na Rede, uma identidade de acesso, para o usuário navegar, trocando pacotes de dados neste ambiente computacional.


2.2 ACESSO À INTERNET

A Lei 12.965/14, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no nosso país, diz em seu artigo quarto, inciso primeiro, que a disciplina do uso da Internet no Brasil tem, entre os seus objetivos, o de promover o direito de acesso à Internet a todos os cidadãos.

Verifica-se, contrapondo o texto normativo, que o direito ao uso da Internet não tem relação técnica com a Rede Mundial de Computadores. Não há a necessidade de se criar uma Lei para oferecer esse acesso. Tem-se, na verdade, neste dispositivo legal, uma diretriz programática de governo, uma política pública, bastando para tanto, apenas e tão somente, a disponibilização de acesso gratuito, subsidiado, a grande Rede.

No capítulo terceiro, da mesma Lei, com o título Da Provisão de Conexão e de Aplicações de Internet, em seu artigo nono, o legislador diz que o responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação, sendo vedada qualquer discriminação ou degradação do tráfego que não decorra de requisitos técnicos necessários à prestação adequada dos serviços, conforme regulamentação.

Este artigo foi relacionado ao tema neutralidade na rede, ou seja, os congressistas identificaram, nesse dispositivo, a possibilidade de se tratar, igualitariamente, todo o tipo de tráfego de pacotes na Internet.

Neste quesito alguns países já superaram este tema, relativizando, e este foi o caminho adotado pelo Brasil, a neutralidade na Rede. No Chile, primeiro país a tratar do assunto em 2010, o tema foi tratado na Lei que regulamenta as Telecomunicações do País – Lei 18168/82. Em seu artigo 24-H, alínea “a”, incluído através pela Lei 20453/10, o legislador diz que:

Las concesionarias de servicio público de telecomunicaciones que presten servicio a los proveedores de acceso a Internet y también estos últimos; entendiéndose por tales, toda persona natural o jurídica que preste servicios comerciales de conectividad entre los usuarios o sus redes e Internet:
No podrán arbitrariamente bloquear, interferir, discriminar, entorpecer ni restringir el derecho de cualquier usuario de Internet para utilizar, enviar, recibir u ofrecer cualquier contenido, aplicación o servicio legal a través de Internet, así como cualquier otro tipo de actividad o uso legal realizado a través de la red. En este sentido, deberán ofrecer a cada usuario un servicio de acceso a Internet o de conectividad al proveedor de acceso a Internet, según corresponda, que no distinga arbitrariamente contenidos, aplicaciones o servicios, basados en la fuente de origen o propiedad de éstos, habida cuenta de las distintas configuraciones de la conexión a Internet según el contrato vigente con los usuarios.

Até este ponto, identifica-se que o Governo daquele país impõe um controle severo aos provedores de Internet em relação ao acesso e ao conteúdo da grande Rede.

Porém, no parágrafo seguinte esse controle é relativizado quando o mesmo legislador sinaliza que os concessionários de serviços públicos e os provedores de Internet poderão tomar medidas que forem necessárias para a gestão do tráfego no acesso a Internet.

O legislador tenta regular, porém, nos mesmo dispositivo jurídico, deixa margem de manobra para os responsáveis pelo acesso e conteúdo atuarem da forma que melhor entenderem, em relação ao tráfego. Abaixo segue complemento do texto:

Con todo, los concesionarios de servicio público de telecomunicaciones y los proveedores de acceso a Internet podrán tomar las medidas o acciones necesarias para la gestión de tráfico y administración de red, en el exclusivo ámbito de la actividad que les ha sido autorizada, siempre que ello no tenga por objeto realizar acciones que afecten o puedan afectar la libre competencia. Los concesionarios y los proveedores procurarán preservar la privacidad de los usuarios, la protección contra virus y la seguridad de la red. Asimismo, podrán bloquear el acceso a determinados contenidos, aplicaciones o servicios, sólo a pedido expreso del usuario, y a sus expensas. En ningún caso, este bloqueo podrá afectar de manera arbitraria a los proveedores de servicios y aplicaciones que se prestan en Internet.

E é este mesmo caminho que o parlamento brasileiro seguiu, deixando a gestão de tráfego nas mãos dos Provedores de acesso, e propondo a regulamentação da Neutralidade da Rede para um segundo momento, legitimando o Governo Federal por meio de Decreto, a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, como órgão regulador e o Comitê Gestor da Internet no Brasil, como órgão consultivo, estabelecerem todo o arcabouço sobre o complexo tema. Há de se colocar, também, como parte integrante desse processo, e com voz ativa, os Provedores da Grande Rede e as empresas de Telecomunicações. Abaixo segue artigo da nova Lei que trata o tema:

Art. 9º O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação.

§1º. A discriminação ou degradação do tráfego será regulamentada nos termos das atribuições privativas do Presidente da República previstas no inciso IV do art. 84 da Constituição Federal, para a fiel execução desta Lei, ouvidos o Comitê Gestor da Internet e a Agência Nacional de Telecomunicações, e somente poderá decorrer de:

I - requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações; e

II - priorização de serviços de emergência.

Na verdade identifica-se não apenas uma questão técnica para garantir isonomia no acesso a Internet no Brasil, tem-se, também, todo um aspecto comercial e político que permeou grande parte da discussão sobre o Marco Civil da Internet no Brasil.


2.3 QUALIDADE DE SERVIÇO NA REDE

A grande Rede Mundial dispõe, em sua estrutura, de suporte para as mais diversas aplicações, sempre tendo como base o protocolo TCP/IP. Essas aplicações são disponibilizadas, através de fluxo de dados lógicos, dentre as mais variadas características. Demandas como voz, vídeo e dados utilizam um mesmo meio, competindo, de acordo com a característica de cada serviço, na rede.

Essa é principal característica da Internet, a comutação por pacotes. Não se faz necessário o estabelecimento de um caminho pré-definido para o envio e recepção de dados. As rotas para o transporte de informação, por meio de ligações lógicas, são dinâmicas.

Como exemplo, podemos citar um fluxo de dados de transmissão, online, de TV e, uma consulta a um extrato de conta corrente em um determinado site de banco, ambos pela Internet. São serviços distintos, com necessidades específicas, sem rotas pré-estabelecidas, onde os protocolos envolvidos trabalharão para manter o transporte e a entrega dos dados – Qualidade na Rede – percepção do usuário em relação a resposta da aplicação.

No caso da transmissão online, os protocolos são real time, sensíveis a variações de tráfego na rede. As aplicações desse grupo tem grande dificuldade para trabalhar em uma rede congestionada. Um segundo de atraso, delay, e a aplicação não funcionará satisfatoriamente.

Em relação a consulta de extrato de conta corrente em um site de um banco os protocolos são mais robustos em relação a variação no comportamento da rede. São chamados de protocolos adaptativos, ou seja, mesmo em uma situação de alto tráfego, as aplicações conseguirão suportar por algum tempo o problema e continuar disponível.

Tratar de forma isonômica esses serviços, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicativo, como diz o texto da Lei é tecnicamente inviável, para não dizer impossível. Não há como trabalhar protocolos, como naturezas diferentes, de forma igual.

Também é inviável, pelo volume de tráfego na Internet, mapear todos os protocolos e serviços da Rede, como sugeriu o Deputado Federal Alessandro Molon (PT-RJ), relator do Projeto de Lei do Marco Civil da Internet, em seus comentários sobre o dispositivo jurídico, justificando o método para evitar que os provedores de conteúdo cobrem de forma diferenciada os tipos de serviços. Na verdade essa discussão está mais voltada para a questão comercial do que para a questão técnica.

As formas para identificação de tipos de pacotes e de aplicações na rede existem, porém para casos específicos e, em determinadas situações.

Tratam-se de regras para identificar, encaminhar, filtrar ou até mesmo descartar pacotes, tendo como principal objetivo melhorar a qualidade dos serviços, ou mesmo, delimitar a banda de transmissão de determinada conexão. Essa facilidade é conhecida com shapping, modelamento. A técnica é chamada de QoS (Quality of Service).

A ferramenta QoS é largamente utilizada e, privilegia as aplicações mais sensíveis a variações no tráfego de dados, porém, todo esse ferramental apenas entra em ação quando a rede apresenta picos de tráfego, congestionamento. Não há sentido em utilizá-lo quando a rede estiver super dimensionada em relação a sua capacidade de transmissão. Nestes casos todo o tráfego de voz, vídeo, dados, transmissões on-line, passará sem problemas utilizando apenas a disponibilidade da transmissão, situação conhecida como Best Effort, melhor esforço. Em síntese, a neutralidade na rede teria aplicabilidade apenas quando o meio de transmissão estivesse congestionado.

O grande erro que se estabeleceu na discussão do Marco Civil da Internet, sob o prisma social da neutralidade da rede, foi o de relacionar a técnica de QoS com o modelo de negócio de vendas de pacotes de dados das empresas.


3. CONCLUSÕES

Há muitos interesses envolvidos relacionados a regulação do acesso as informações na Internet, seja por parte das empresas que oferecem acesso a grande rede, as empresas TELECOM, seja pela indústria de conteúdo. Acesso, conteúdo e neutralidade na rede são temas eminentemente técnicos que deveriam estar sendo tratados de forma clara e objetiva. O Governo Federal tomou para si a iniciativa desta Lei, justificando a regulação da grande Rede como tema de interesse nacional, tendo com objetivos universalizar o acesso e democratizar o conteúdo da Internet. Apenas o passar do tempo mostrará o resultado prático, se houver, deste Marco que se propõe a regulamentar a Rede Mundial no Brasil. De qualquer forma existe a certeza de que, mesmo após se conhecer esse resultado, a Internet continuará a mesma, em escala global, independentemente do Marco Civil no Brasil.


4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.

BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Brasília. 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm.

CHILE. Lei nº 18168, de 02 de outubro de 1982. LEY GENERAL DE TELECOMUNICACIONES. Disponível em: http://www.leychile.cl/Navegar?idNorma=29591.