Neutralidade | CGI.br

Ir para o conteúdo

As contribuições são de responsabilidade de cada autor e o CGI.br não se compromete com seu teor.

Contribuição ANJ

Autor: Associação Nacional de Jornais - ANJ Setor: Terceiro Setor Estado: DISTRITO FEDERAL Tópico: Definições técnicas e de termos relevantes ao Marco Civil da Internet

O exemplo do Decálogo do CGI, fonte de inspiração para o Marco Civil da Internet (Lei n.º 12.965/2014), não deixa dúvidas sobre o acerto da adoção de regras principiológicas, cuja força é diretamente proporcional a sua objetividade.

A ANJ entende que assim também deve ser a regulamentação do Marco Civil e outras legislações vindouras, de modo a não deixar portas abertas para a incompreensão e, acima de tudo, permitir convivência harmoniosa com os princípios já existentes e duramente conquistados pela sociedade. É importante dar concretude ao objetivo maior de permanecer em um ambiente livre, simples e descentralizado, que facilite a inovação na Rede, e em consonância com a consolidação da democracia brasileira.

Cumpre relembrar, ainda, que alguns pontos submetidos à Chamada de Contribuição devem observar a legislação em vigor, a exemplo daquelas disposições do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/1990), que tratam da formação de bases de dados dos consumidores. A regulamentação do Marco Civil da Internet – assumindo-se a constatação de que, em Estado democrático de direito, a liberdade é a regra – deve ser integrativa dos diplomas já existentes e manter clareza e objetividade em relação ao que é necessário regulamentar.

Neutralidade de rede

Um dos princípios pelos quais o Marco Civil busca orientar o uso da Internet no Brasil é o da “preservação e garantia da neutralidade da rede”, que, nos termos do art. 9º da Lei n.º 12.965/2014, é composto pelos deveres, atribuídos ao “responsável pela transmissão, comutação ou roteamento” e ao “provedor de conexão,” de (i) “tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação”, e de (ii) não “bloquear, monitorar, filtrar ou analisar o conteúdo dos pacotes de dados”.

Referidos comandos encontram-se dotados de eficácia plena, não havendo qualquer necessidade de mediação regulamentar com vistas a dar-lhes aplicabilidade imediata.

Nos termos do §1º do art. 9º do Marco Civil da Internet, a neutralidade de rede será objeto de regulamentação, pelo Presidente da República, apenas (e tão somente) no que se refere às hipóteses de “discriminação ou degradação do tráfego”, que somente poderão decorrer de “(i) requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações; e (ii) priorização de serviços de emergência”.

A regra, como referido, é a garantia plena da neutralidade de rede, coerente com o Decálogo do CGI e principalmente com a ideia de que a web deve sempre conservar-se como foro público e democrático, de livre expressão, em que não haja discriminação ou desigualdade de qualquer ordem no provimento e acesso à informação. As exceções, a serem regulamentadas pelo Poder Executivo, à vista da Lei, não podem servir para diminuir a eficácia e/ou a grandeza do princípio.

Nesse sentido, a ANJ considera que as ponderações do CGI.br quanto à regulamentação da neutralidade de rede a ser editada pelo Poder Executivo – que, como referido, se limitará às hipóteses que excetuam a regra da não discriminação no fluxo das informações – devem ser realizadas:

(i) de forma neutra em relação ao tipo de rede e ao serviço por ela suportado, haja vista que a convergência tecnológica já é realidade. A convergência, aliás, é circunstância que não pode ser ignorada e que torna imprópria a abordagem do tema de forma estanque. Eventual disciplina que tenha relação com a neutralidade de rede deve ser sempre aplicável à generalidade de serviços e redes de telecomunicações; e

(ii) com o máximo de vedações à degradação de tráfego. De fato, caso seja admitida alguma degradação, a única forma de fazê-lo sem dar margem a violações de natureza mercadológica e política (e não puramente técnica), em linha com o Decálogo, é estarem expressos na regulamentação os motivos técnicos e emergenciais que podem dar margem à prática, que, se realizada, somente deve se dar por soluções igualmente técnicas.

A degradação de tráfego não pode, jamais, ser aceita como algo vago e maleável, e está aí a necessidade de uma regulamentação que diga claramente quais são os casos em que será necessária a degradação ou discriminação. Essas práticas devem ser adotadas apenas e tão somente quando comprovadamente indispensáveis à segurança e à estabilidade do serviço e das redes, observados os critérios de investimento em qualidade, sendo certo que somente são medidas aceitáveis aquelas que sejam expressamente definidas na regulamentação e destinadas ao controle de ataques de negação de serviço, controle de ataques de inundação/entupimento de tráfego ou controle de ataques direcionados a sistemas de resolução de nomes de domínio na Internet. Quaisquer outras práticas devem ser tidas como proibidas e/ou de caráter excepcional, nesse último caso limitadas à sua estrita necessidade técnica e imediata submissão ao controle da ANATEL, quando se trate de uma empresa de telecomunicações, com informações ao CGI, para que possa se pronunciar, devendo, em qualquer caso, ser proporcionais e realizadas sem causar dano aos usuários, tudo em linha com os incisos I a III do §2º do art. 9º do Marco Civil da Internet.

A neutralidade de rede, fortemente afirmada pelo Marco Civil da Internet, não pode ser tratada pela regulamentação a ser editada pelo Poder Executivo como algo inédito. Antes, a regulamentação deve se preocupar em enaltecer disposição da legislação das telecomunicações e em reafirmar práticas já devidas pelos detentores de redes, conservando a neutralidade de rede sob tutela da legislação específica, inclusive as normas de defesa da concorrência.

No Brasil, a garantia de neutralidade de rede encontra-se assegurada em diversos dispositivos da Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei n.º 9.472/1997), destacando-se:

Art. 2º. O Poder Público tem o dever de:

[...]

II – estimular a expansão do uso de redes e serviços de telecomunicações pelos serviços de interesse público em benefício da população brasileira;

III – adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários;

VI – criar condições para que o desenvolvimento do setor seja harmônico com as metas de desenvolvimento social do país;

Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.

[...]

§ 2° É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações.

Art. 146. As redes serão organizadas como vias integradas de livre circulação, nos termos seguintes:

[...]

II - deverá ser assegurada a operação integrada das redes, em âmbito nacional e internacional;

III - o direito de propriedade sobre as redes é condicionado pelo dever de cumprimento de sua função social.

Art. 154. As redes de telecomunicações poderão ser, secundariamente, utilizadas como suporte de serviço a ser prestado por outrem, de interesse coletivo ou restrito.

Art. 155. Para desenvolver a competição, as empresas prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo deverão, nos casos e condições fixados pela Agência, disponibilizar suas redes a outras prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo.

Nesse sentido, a ANATEL recebeu comando do legislador para também assegurar a plena observância da neutralidade de rede pelas empresas detentoras de infraestruturas essenciais ao acesso à Internet:

Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:

I - implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de telecomunicações;

[...]

XII - expedir normas e padrões a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem;

[...]

XIV - expedir normas e padrões que assegurem a compatibilidade, a operação integrada e a interconexão entre as redes, abrangendo inclusive os equipamentos terminais;

[...]

XIX - exercer, relativamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica, ressalvadas as pertencentes ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE.

Diante disso, reiterando contribuições já realizadas em outros foros, e que certamente vão ao encontro das preocupações endereçadas pelo Marco Civil da Internet, a ANJ sugere que o Decreto a ser editado pelo Poder Executivo explicite condições taxativas em que será admitido o gerenciamento de tráfego, bem como o alcance e a finalidade dessa providência. Em paralelo, propõe-se que o texto remeta à competência da ANATEL, para que seja ela o órgão de fiscalização, no que tange às empresas de telecomunicações, da garantia de não discriminação de tráfego e do respeito ao princípio da publicidade, corolário do direito dos usuários à informação quanto às providências que possam, de algum modo, interferir no livre fluxo de sua comunicação na Internet, sem qualquer prejuízo à competência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica para apurar condutas discriminatórias no acesso e uso das redes por provedores de internet.

Nessa linha, a ANJ formula as seguintes sugestões de texto normativo:

Art. [•]. Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

[•] – Degradação do tráfego: medida de gerenciamento razoável do tráfego que se destina a conter:

I – controle de ataques de negação de serviço (DDoS) direcionados a redes de usuários ou de operadoras;

II – controle de ataques de entupimento de tráfego (flooding) direcionados a redes de usuários ou de operadoras;

III – controle de ataques direcionados a sistemas de resolução de nomes de domínio da internet (DNS).

§ 1º Na ocorrência de degradação do tráfego destinada aos fins previstos neste artigo, a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) deverá ser comunicada, no prazo máximo de 2 (dois) dias úteis contados da adoção de referida medida de degradação de tráfego.

§ 2º A comunicação a que se refere o parágrafo anterior deverá ser instruída com todos os elementos necessários à compreensão da ocorrência e à aferição da relação de pertinência entre as medidas de degradação de tráfego e a ocorrência que motivou sua adoção.


Art. [•]. É vedada qualquer degradação de tráfego que não se destine aos fins legítimos elencados no art. [•], salvo mediante autorização prévia e expressa da ANATEL, com a concordância do CGI, nos termos deste artigo.

§ 1º Deverá ser submetido à ANATEL, previamente à adoção de referida medida de degradação de tráfego, requerimento contendo, no mínimo:

I – descrição detalhada da providência pretendida;

II – comprovação da necessidade de sua adoção;

III – comprovação de que a rede de telecomunicações opera segundo as condições qualitativas exigidas pela regulamentação;

IV- resultados que serão obtidos a partir de sua implementação; e

IV – período de tempo em que será necessária sua manutenção.

§ 2º Requerimentos que não apresentem as informações previstas no parágrafo anterior não serão objeto de apreciação pela ANATEL e CGI, que poderá determinar sua complementação e reapresentação em prazo determinado, sob pena de indeferimento.

§ 3º A ANATEL, após ouvir o CGI, submeterá a proposta de medida de degradação de tráfego à Consulta Pública em prazo não superior a 10 (dez) dias, devendo, em sua decisão, considerar, motivadamente, as sugestões e comentários recebidos.

§ 4º Todas as medidas de degradação de tráfego autorizadas pela ANATEL nos termos deste artigo deverão ser informadas aos usuários previamente à sua adoção, devendo ser objeto de ampla divulgação a todos os possíveis interessados, inclusive por meio de publicação no sítio do responsável pela transmissão, comutação ou roteamento e/ou do provedor de conexão à Internet e, quando aplicável, no contrato de prestação do serviço.

§ 5º Na hipótese de degradação de tráfego por insuficiência de investimentos necessários ao cumprimento da função social das redes e de necessária atualidade e qualidade na prestação serviços de telecomunicações, não será admitida adoção de quaisquer medidas por prazo superior a 90 (noventa) dias, estando sua implementação condicionada à apresentação e execução de plano emergencial de ampliação e modernização da rede.

§ 6º A admissão, pela ANATEL, e a implementação, pelo responsável pela transmissão, comutação ou roteamento e/ou pelo provedor de conexão à Internet, de quaisquer medidas de degradação de tráfego não devem, de qualquer modo, resultar no desrespeito ou violação à privacidade dos usuários ou ao sigilo das comunicações e nem devem servir à subversão das condições de livre, ampla e justa competição, sendo sempre vedado ao prestador de serviços de telecomunicações monitorar, filtrar, analisar ou fiscalizar o conteúdo de pacotes de dados, informações, transmissões, emissões ou recepção de sinais de qualquer natureza cursados pela rede.